Busca ativa e melhoria dos recursos de acessibilidade da Residência em TIC do Serratec levaram ao aumento de 82% de procura por parte de pessoas com deficiência no último processo seletivo

A Residência em TIC do Serratec é uma capacitação por imersão, ágil e gratuita para a área de tecnologia, realizada pelo Serratec – Parque Tecnológico da Região Serrana, em parceria com Firjan Senai, Sinditec, Senac, universidades, órgãos governamentais e empresas parceiras.

Trata-se de uma inovação social que visa ampliar a oferta de profissionais para o crescente e dinâmico setor de tecnologia, orientar a capacitação às demandas do mercado e gerar impacto social. Desde 2019, quando foi criado, o programa já qualificou mais de mil profissionais digitais e vem transformando empresas de base tecnológica e a vida de centenas de pessoas na região.

Os resultados são auspiciosos, mas o Serratec vinha se sentindo insatisfeito com indicadores das ações afirmativas do Programa, segundo a Gerente Executiva do Parque Tecnológico, Thaís Ferreira, principalmente no que se referia à participação de pessoas com deficiência – a quem vamos nos referir como “pessoas com diversidade funcional” e que abrange um amplo espectro, incluindo pessoas com mobilidade reduzida, baixa visão, cegas, surdas, neuro diversas – como quem tem transtorno do espectro autista (TEA), por exemplo -, entre outras.

Ao longo dos quase cinco anos do programa, apenas 11 pessoas com diversidade funcional concluíram o curso, sendo a maioria desse público com diversidade física, segundo o Serratec. “Apesar da política de ações afirmativas, percebemos que o programa não vinha recebendo muitas candidaturas de pessoas com diversidade funcional. E fomos buscar entender o porquê. O desafio é muito grande, porque não basta disponibilizarmos as vagas, a comunicação precisa ser acessível e o ambiente precisa estar preparado para receber pessoas diversas, porque o “problema” não está nas pessoas e sim nas estruturas e esse ajuste de perspectiva, de olhar, é fundamental para a mudança acontecer. Além de, claro, a comunicação”, explica Thaís.

Mas no último processo seletivo, iniciado em janeiro de 2024, o Programa registrou um aumento de 82% de interesse por parte desse público, se comparado com o ciclo de formação anterior, do segundo semestre de 2023. Esse indicador na inscrição também refletiu na matrícula, com incremento de 50% de pessoas com diversidade funcional cursando o programa em 2024.1. “Fizemos adaptação do material didático, treinamento e recursos instrutivos para professores e monitores, estamos ajustando as etapas do processo seletivo, recebendo assessoria continuada e aprendendo como podemos ser cada vez mais inclusivos para que o programa possa, realmente, oferecer oportunidades para todas as pessoas. Além dos ajustes internos, também trabalhamos na busca ativa deste público e isso resultou no maior índice que tivemos até o momento [considerando um ciclo de formação] de pessoas com diversidade funcional interessadas e, consequentemente, matriculadas. Celebramos muito esse resultado, mas não posso negar que seguimos ainda com muito trabalho a fazer”, complementa a Gerente Executiva, ressaltando que as mudanças estão sendo implementadas com o apoio da Biomob Soluções Inovadoras para Acessibilidade, startup especializada, associada ao Serratec e parceira do Parque Tecnológico na temática.

Para o ingresso na Residência em TIC do Serratec, candidatas e candidatos participam de um processo seletivo que não avalia currículo nem experiência anterior na área, mas o perfil cognitivo para tecnologia e demanda alguns requisitos, como ter pelo menos o Ensino Médio concluído (no quesito escolaridade), declarar baixa renda, morar nas cidades da Região Serrana participantes e apresentar disponibilidade para encarar a imersão de 770 horas em cinco meses. Além das ações afirmativas para pessoas com diversidade funcional, mulheres, pessoas negras e quem estudou em escola pública também são públicos prioritários do Programa.

Mercado aquecido e oportunidades

Estudos feitos pela Brasscom – Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais demonstram que as empresas brasileiras de tecnologia devem demandar 797 mil talentos entre 2021 a 2025, prevendo um déficit anual de 106 mil, ou 530 mil talentos nesses cinco anos. Ou seja, um mercado com muitas oportunidades. Estudos da mesma instituição também indicam que a presença de pessoas com diversidade funcional no mercado de tecnologia brasileira ainda é pequena. Apenas 0,8% das vagas do setor são ocupadas por esse público.

Quando perguntado sobre esse baixo índice, Valmir Souza, Diretor de Operações (COO – Chief Operating Officer) da Biomob, prefere, num primeiro momento, destacar que o ambiente da tecnologia é o mais propício para a inclusão de pessoas com diversidade funcional. “Apesar da inclusão ainda ser uma questão que precisa ser muito trabalhada, o setor de TI, pelas atividades desenvolvidas, é uma excelente porta para a temática. Se houver um desenvolvedor surdo, mas que seja bom de codar [programar], não há muitos desafios ocupacionais a serem encarados, frente à diversidade funcional dele, por exemplo. Ou, se esse profissional programador for uma pessoa autista e tiver hiperfoco, vai render muito mais do que uma pessoa que não tem hiperfoco. Para pessoas cegas, ainda há muitos desafios nas ferramentas disponíveis, mas uma pessoa com essa diversidade funcional pode ter um desempenho e boas contribuições em UX ou UI [áreas de atuação voltadas à experiência e à interface de usuário]. Ou seja, se tem um setor que pode incluir e contratar pessoas com diversidade funcional é o de tecnologia”, destaca o COO, ressaltando, entretanto, que para que isso aconteça e o problema se transforme em uma oportunidade, “barreiras ainda precisam ser derrubadas e adequações, feitas, tanto nos processos, conteúdos e abordagens pedagógicas de programas de qualificação para tecnologia quanto mudanças de atitude, infraestrutura, políticas e treinamento nas empresas. É preciso querer fazer, dar os primeiros passos”, conclui.

O Serratec reconhece que se trata de uma “jornada” e por essa razão é preciso falar sobre os aprendizados adquiridos ao longo do caminho. “Além do que deu certo, temos também que falar sobre o que não funcionou e não funciona, porque acreditamos que erros cometidos e barreiras identificadas orientam para melhorias e podem apoiar também outras organizações que estão comprometidas com a agenda”, destaca Cicilia Paraquett, coordenadora da Residência em TIC do Serratec. “Houve uma ocasião, por exemplo, em que recebemos uma candidata com baixa visão, mas ela não conseguiu dar prosseguimento ao processo seletivo porque uma das etapas não estava preparada para pessoas com a diversidade funcional que ela trazia.

Fizemos ajustes no processo seletivo e ainda seguimos empreendendo melhorias. Cada pessoa com diversidade funcional que procura o programa é uma oportunidade para melhorarmos nosso processo e nossos recursos”, avalia a coordenadora.

O Serratec também acredita que para mudar essa realidade é preciso o envolvimento de toda uma cadeia. “É uma jornada desafiante, mas gratificante. Percebemos que não estamos sozinhos quando passamos a encontrar novos parceiros no caminho, sejam instituições especializadas no assunto, sejam parceiros executores, fornecedores, consultores, professores, empresas, pessoas que atuam nos diversos setores e passam a se comprometer com mudança”, comemora Cicília, trazendo o exemplo do parceiro Senai, que a partir deste ciclo de formação incorporou ao corpo docente uma pessoa intérprete de libras para apoiar um aluno surdo e os professores do Programa. “Ficamos muito felizes de ter a oportunidade de contribuir para que o programa seja mais acessível e adequado.

Compartilhamos desse olhar da inclusão e é gratificante ter a oportunidade de trazer uma educação de qualidade e adequada para todos os participantes”, sinaliza Milena Cariello, Coordenadora Operacional de Educação Profissional da Firjan/Senai.

Um desses novos profissionais digitais e com diversidade funcional formados pela Residência em TIC do Serratec é o Lucas Seljan, que tem 26 anos, mora em Petrópolis e tem síndrome de Treacher Collins, uma má formação crânio-facial que pode gerar perda auditiva e de visão. Lucas cursou o Programa em 2023.2 e conta que precisou de apoio durante o curso, especificamente em questões que envolviam a necessidade de interação social para o processo de aprendizado. “Foi uma jornada intensa, com muitos altos e baixos, porque o curso é puxado. Os desafios se intensificaram um pouco mais porque houve momentos, nas aulas, nos trabalhos em grupo, em que eu tinha dificuldades de compreender por conta da minha perda auditiva. Mas tanto professores, quanto monitores e colegas sempre tiveram paciência e disposição de querer ajudar. Senti abertura para pedir que repetissem, sempre que eu precisava. Além disso, o fato do curso ser à distância, me possibilitando usar os meus recursos a partir da minha casa, conseguir assistir às aulas com o som alto, no meu ambiente, isso também ajudou muito”, lembra Lucas, que hoje está empregado como desenvolvedor de automação no Centro de Serviços Compartilhados da Orange em Petrópolis – uma empresa global de origem francesa e uma das principais operadoras de telecomunicações e provedora de serviços digitais para empresas multinacionais do mundo -, associada ao Serratec e parceira do Programa. Na função profissional que exerce atualmente, Lucas conta que, da mesma forma, não encontra nenhum desafio técnico frente a sua diversidade funcional, “senão as dificuldades que eu já levo em toda minha vida, por conta da perda auditiva”. Lucas iniciou uma graduação em jogos digitais e trancou para fazer a Residência.

Ele tem planos de logo retomar o curso de formação, “assim que percorrer um pouco mais esta etapa inicial na Orange, que tem requerido bastante de mim para me aprofundar nas tecnologias com as quais a empresa opera”. E, ao ser perguntado sobre o futuro: “Quero aprender mais de automação e quero desenvolver meus próprios jogos digitais. Esse é meu sonho, entrar no mercado de jogos digitais brasileiro com jogos que eu possa criar”, conclui.

“Adaptar nosso programa de qualificação profissional é importante e um grande avanço, mas também devemos ir além, apoiar as empresas, que devem ser encorajadas e precisam estar, de verdade, preparadas para a diversidade, para acolherem esses profissionais. Veremos resultados reais quando pessoas com diversidade funcional conseguirem se capacitar, ingressar no mercado de tecnologia, serem valorizadas, reconhecidas e prosperarem a partir de suas capacidades, habilidades e competências. Aí teremos reconhecido que o trabalho foi plenamente bem sucedido”, conclui Thaís.

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